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A inconformidade do artista romântico com o "mundo cruel" leva-o a uma série de procedimentos de fuga. Já que a sociedade não quer escutá-lo ou não sabe compreendê-lo, já que ele está perdido numa realidade incômoda e brutal, já que sua sensibilidade não possui força para mudar o destino, resta-lhe apenas a tentativa de escapar.
A) Sonho e fantasia
A evasão mais comum dá-se através do princípio da fantasia. O poeta devaneia, cria universos imaginários, onde encontra a luz e a alegria que a sociedade burguesa não lhes oferece. O sonho não é apenas a fonte obscura e misteriosa que alimenta a criação artística, mas uma forma de resposta à hostilidade do mundo. Novalis declara isso textualmente: "O sonho me parece uma vala de proteção contra a vulgaridade da vida."
Álvares de Azevedo transita continuamente entre os níveis concretos da vida social e as fantasias de sua subjetividade atormentada, sem escapar do dilaceramento que esta divisão sonho-realidade lhe causa:
Vinte anos! derramei-os gota a gota
Num abismo de dor e esquecimento...
De fogosas visões nutri meu peito...
Vinte anos!... não vivi um só momento!(...)
Eu sonhei tanto amor, tantas venturas,
Tantas noites de febre e d'esperança.
Mas hoje o coração desbota, esfria,
e do peito no túmulo descansa!
B) O "mal do século"
O "mal do século" é uma "enfermidade moral" e não física. Resulta do tédio ("ennui", "spleen"), mas não do tédio comum (enfado diante da chatice da vida). A concepção romântica aponta para um aborrecimento desolado e cínico, que ressalta tanto a falta de grandeza da existência cotidiana quanto o vazio dos corações juvenis. Estes acreditam ter vivido todas as paixões e ter experimentado todos os abismos.
No final do Romantismo, o poeta Baudelaire - já vinculado à estética realista - produz um célebre verso: "Infelizmente eu já li todos os livros e minha carne está triste." É uma síntese desse tédio que conduz os poetas a uma espécie de sentimento mórbido de insatisfação e de manso desespero. Algo próximo da sensação de absurdo da vida. Em A confissão de um filho do século, Alfred de Musset tenta decifrar o nascimento desta sensação incômoda de náusea e desilusão:
Um sentimento de inexprimível mal-estar começou a fermentar em todos os corações jovens. Condenados à inércia pelos soberanos do mundo, entregues aos medíocres de toda a espécie, à ociosidade e ao enfado, os jovens viam distanciar-se as ondas espumantes para as quais haviam preparado os seus braços. Todos esses gladiadores, lambuzados de azeite, sentiam no fundo da alma um tédio insuportável.
C) O culto do passado
Em contraponto ao presen
te insatisfatório, o romântico encontra constantemente no passado ideais sublimes e valores modelares. Essa afirmação do tempo pretérito dá-se em dois planos:
Passado histórico: textos sobre a vida na Idade Média.
Passado individual: textos sobre a infância e a adolescência dos escritores.
Esta mitificação daquilo que já transcorreu obedece, geralmente, a uma tendência de fuga da realidade, pois tanto o mundo medieval como o mundo infantil representam o paraíso perdido, uma época de ouro na qual as criaturas seriam felizes.
Pela nostalgia de um tempo que sequer os autores conheceram - caso do passado histórico - nega-se o presente, hostil e causador de sofrimentos, conforme podemos ver nas narrativas de Walter Scott, tipo Ivanhoé. Sublinhe-se apenas que, em certos países jovens ou que emergem de movimentos libertadores, o gosto pelo passado histórico não se apresenta como fuga, e sim como fundamentação da nacionalidade.
Também o retorno saudoso à infância toma a forma de uma inconformidade com a vida presente, conforme podemos ver neste fragmento Casimiro de Abreu:
Ah! minha infância saudosa
Que me mostravas à mente,
Neste viver inocente,
Tão verdejante e florida,
A longa estrada da vida
Que é toda tão escabrosa!
LIBERDADE ARTÍSTICA
A arte clássica sempre esteve sujeita a normas, padrões e modelos. Durante o Romantismo, em decorrência da liberdade de expressão alcançada pela sociedade burguesa, todas as receitas de conteúdos e de escrita das obras são destruídas. Abole-se as fronteiras entre os gêneros: em um mesmo texto admite-se o cômico e o trágico, o sublime e o grotesco, etc.
Ao martelo com as regras" - grita Victor Hugo no prefácio de sua peça Cromwell, em 1827, indicando que nem os temas, nem as estruturas de composição, nem os estilos devem responder a esquemas rígidos e pré-fixados. Ao contrário, devem nascer espontaneamente, de acordo com o propósito individual de cada criador.
A partir de agora, qualquer um elabora objetos artísticos, obedecendo apenas aos estímulos de sua interioridade. Talvez seja esta a característica mais importante da arte romântica, postulado que se radicalizaria na arte moderna. De alguma maneira, a beleza embriagadora de um quadro de Picasso, ou o lirismo violento e neurótico de um romance de Henry Miller, têm suas raízes na luta travada pelos artistas, no início do século XIX, pela liberdade de expressão.
Estejamos conscientes, entretanto, de que a liberação romântica é parcial, pois permanecem inibições, repressões e cacoetes estilísticos que quase se transformaram em novas regras de bem escrever. A aventura da liberdade total se daria apenas no século XX.
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