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O fim da década de 60 assinalou o início de uma crise que atingiu a classe dominante, composta por senhores rurais e grupos de exportadores.
As primeiras indústrias, o encarecimento do escravo como mão-de-obra e a utilização de imigrantes nas fazendas de café de São Paulo indicavam mudanças na ordem econômica.
Por esta época, começaram a se manifestar as primeiras fraturas na até então sólida visão das elites dirigentes. O nacionalismo ufanista começou a ser questionado. Estudantes de Direito, intelectuais da classe média urbana, escritores, jornalistas e militares se davam conta da existência de uma considerável distância entre os interesses escravocratas e monarquistas dos proprietários de terras e os interesses do resto da população. Foi então que a literatura assumiu uma função crítica.
Antônio de Castro Alves superou o extremado individualismo dos poetas anteriores, dando ao Romantismo um sentido social e revolucionário que o aproxima do Realismo. O padrão poético já não é Chateaubriand ou Byron, mas sim o francês Vitor Hugo, burguês progressista, cantor da liberdade e do futuro.
CASTRO ALVES (1847-1871)
Castro Alves aos 16 anos. Vida: Descendente de uma família tradicional e poderosa do interior baiano - seu pai era médico, formado na Europa - Antônio de Castro Alves nasceu na Fazenda das Cabeceiras, perto da cidade de Curralinho. Quando tinha sete anos, a família mudou-se para Salvador. Lá estudou no Colégio Abílio, que revolucionara o ensino brasileiro pela eliminação dos castigos físicos aplicados aos alunos. Em 1858, morreu-lhe a mãe. Seu irmão mais velho, José Antônio, ficou muito abalado, suicidando-se alguns anos depois. Mas já no início de 1862, Castro Alves estava no Recife, fazendo os preparatórios para a Faculdade de Direito, ainda em companhia do irmão. Conheceu então a famosa atriz portuguesa Eugênia Câmara, de quem se tornou amante aos dezenove anos. Na Faculdade, parecia mais interessado em agitar idéias abolicionistas e republicanas e produzir versos (que obtinham grande repercussão entre os colegas) do que propriamente estudar leis.
Após concluir um drama em prosa, Gonzaga, especialmente composto para Eugênia Câmara, seguiu com a atriz rumo a Salvador. Ali os dois receberam espetacular consagração com a estréia da peça no Teatro São João. Estando ele disposto a retornar ao curso de Direito, viajaram para São Paulo, antes parando dois meses no Rio de Janeiro, onde foram celebrados por José de Alencar e Machado de Assis. A temporada paulista durou apenas um ano. O nome de Castro Alves tornara-se uma legenda: ótimo declamador de seus próprios poemas, recitou O navio negreiro e Vozes d'África sob a ovação dos estudantes. Um colega escreveu que Castro Alves "era grande e belo como um deus de Homero". Sua vida afetiva, no entanto, entrou em crise pelas constantes traições à orgulhosa Eugênia Câmara. Ela terminou por abandoná-lo definitivamente. Para esquecer a ruptura, o poeta começou a se dedicar à caça, ferindo-se casualmente no pé, que infeccionou. Levado para o Rio, foi submetido a uma amputação sem anestesia. Depois disso, debilitado, retornou à Bahia, onde viveu por pouco mais de um ano, até que sobreveio a tuberculose fatal. Morreu em fevereiro de 1871, antes de completar vinte e quatro anos.
Obras: Espumas Flutuantes (1870); A cachoeira de Paulo Afonso (1876); Os escravos (1883); Gonzaga ou A Revolução de Minas (drama - 1875).
Sua obra se abre em duas direções:
-Poesia social - causas liberais e humanitárias.
-Poesia lírica - natureza e amor sensual
POESIA SOCIAL
Castro Alves aos 18 anos. Castro Alves é um caso típico do intelectual convertido em homem de ação. Não apenas realizou uma poesia humanitária, como participou ativamente de toda a propaganda abolicionista e republicana. Esse engajamento político muitas vezes prejudica a sua literatura - que se torna mais denúncia do que arte - embora tal problema seja secundário diante da generosida
de social do poeta.
O jovem baiano tinha consciência de sua posição e de sua situação de letrado, e do papel que poderia exercer dentro da sociedade. Compreendia o significado da educação num país constituído por analfabetos, e foi o primeiro dos grandes românticos a valorizar a imprensa, o livro e a instrução, conforme diz no poema O livro e a América:
Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe - que faz a palma,
É chuva - que faz o mar.
Castro Alves cantou todas as causas libertárias - a poesia como arma de combate a serviço da justiça e da igualdade - mas o que ficou na memória popular são os seus poemas abolicionistas.
A base econômica da sociedade agrária brasileira, na década de 1860, ainda era o escravo, porém as pressões internacionais, somadas às críticas das classes urbanas nacionais e à perspicácia de certos proprietários - que viam a escravidão como anti-econômica - possibilitaram o surgimento das primeiras vozes contestadoras. Castro Alves será a encarnação mais retumbante desse protesto.
O condoreirismo
Os seus poemas sociais são conhecidos também como condoreiros. "A praça, a praça é do povo, assim como o céu é do condor" - escreve num de seus primeiros trabalhos. É uma metáfora exuberante: o condor voa altaneiro e livre por sobre os Andes. Como exuberantes, indignados e patéticos são parte considerável de seus versos. Ele quer inebriar os jovens liberais com a força bombástica de um discurso metrificado. Quer comover e convencer. Por isso, nem sempre se contenta em dizer o essencial. Acaba caindo na retórica, provocada pelo excesso verbal, por antíteses e hipérboles* em demasia e por várias imagens de mau gosto.
É possível, no entanto, compreender que o tom oratório dessas composições tinham uma finalidade pedagógica: feitas para serem declamadas em público, elas deviam se parecer a um discurso que conscientizasse as massas. Daí sua redundância e sua ênfase emocional. Mesmo assim, em vários textos condoreiros, o poeta atingiu uma eloquência pura, vibrátil, "de poderosa sugestão visual e impressão auditiva".
O navio negreiro e Vozes d'África se constituem nos mais soberbos monumentos de poesia social do século XIX. E ainda que a escravidão tenha acabado, e este tema não pertença mais a experiência atual, é impossível ao leitor ficar indiferente diante de tamanha densidade dramática.
* Hipérbole: figura do exagero
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