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Literatura Brasilera

MANUEL DE OLIVEIRA PAIVA (l861-l892)
 
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Escritor cearense, Manuel de Oliveira Paiva morreu muito jovem, sem ter publicado qualquer obra. Apenas sessenta anos depois, graças à crítica Lúcia Miguel-Pereira, é que veio à luz o seu interessantíssimo romance, Dona Guidinha do Poço (1952). O relato antecipa os grandes textos sobre o mundo rural produzidos pelos romancistas de 1930. Com vigoroso realismo, o autor registra a vida no sertão do Ceará, inclusive fixando uma situação de seca. Não se detém, contudo, na paisagem física, preferindo examinar a psicologia dos personagens em função do meio. Desta forma, em sua ficção, ambiente e análise psicológica sintetizam-se esplendidamente.

O assunto da narrativa é um drama passional: Dona Guidinha do Poço, uma fazendeira poderosa, senhora do Poço da Moita, legítima matriarca em sua região, temida inclusive pelo marido, o major Quim, apaixona-se por um sobrinho do esposo (Secundino) e comete adultério. O major descobre a traição e tenta obter o divórcio, mas Dona Guidinha contrata um assassino para liquidá-lo na cidade, em plena luz do dia. O criminoso realiza sua ação, porém é preso e confessa quem era a mandatária do assassinato. Dona Guidinha então é detida. Ninguém fica abertamente a seu lado, até porque o partido Liberal, que ela apoiava, estava fora do poder.
E a mesma população que a venerava, como se ela fosse uma senhora feudal, agora a despreza e a vaia, enquanto conduzem-na para a prisão.

Margarida, a Guidinha, foco central do relato, surge na aridez do sertão com uma sutileza psicológica, uma vontade de dominação, uma capacidade para o amor e o ódio que a transformam numa das maiores personagens femininas da ficção brasileira do século XIX. Flávio Loureiro Chaves anota as contradições(extremamente verossímeis) dessa mulher: “Ela é ao mesmo tempo boa e má, forte mas duvida de si mesma, é feminina em seu amor e terrível em seu componente de sertaneja barbarizada.” Expressiva também é a utilização que Manuel de Oliveira Paiva faz do linguajar sertanejo cearense, apresentando-o detalhadamente através da fala dos personagens populares: vaqueiros, agregados e demais trabalhadores rurais. Um longo glossário acompanha as edições da obra para auxiliar o leitor urbano na decifração desta história de paixão e violência.

Análise de Quincas Borba - parte I
QUINCAS BORBA
ENREDO

Rubião, mestre-escola da cidade mineira de Barbacena, trava amizade com o moribundo filósofo Quincas Borba, (vale lembrar que esta personagem já aparecera em Memórias póstumas de Brás Cubas). Após a morte do filósofo, Rubião herda-lhe grande fortuna e um cachorro - também chamado Quincas Borba - cuja posse e manutenção era cláusula do testamento.
Narrada em terceira pessoa e divida em capítulos curtos - tão ao gosto de Machado -, a trama está focada na transformação pessoal e social por que passa Rubião ao se mudar para a Corte, deixando para trás uma existência simples de interiorano e ingressando na roda viva da capital do Império: as amizades compradas, os comensais interesseiros, as aventuras amorosas.
Já na viagem de trem para o Rio de Janeiro a existência de Rubião começa a mudar, pois conhece e se aproxima do casal Cristiano Palha e Sofia, gente da melhor sociedade do Rio de Janeiro. Sofia é uma mulher belíssima por quem o professor irá se apaixonar e viver um romance fantasioso, cheio de frustradas declarações de amor. Cristiano Palha percebe a ingenuidade do interiorano e torna-se o primeiro de uma série de aproveitadores de sua fortuna. Sofia exerce papel decisivo nesta conspiração interesseira, mantendo um procedimento dúbio em relação ao mestre-escola, ora o atraindo, ora o repelindo. Mais tarde, outros parasitas sociais (como o Dr. Camacho, diretor de um jornal de oposição), tentarão usufruir do dinheiro de Rubião, enquanto lhe filam jantares e charutos.
Com o desenrolar dos capítulos, ou por ter herdado a insânia do filósofo ou por ter uma consciência demasiadamente estreita para compreender a complexidade do mundo em que agora vive, Rubião começa a ser tomado por delírios de grandeza. Somente nestes momentos é que consegue compreender a filosofia de Humanitas desenvolvida pelo finado Quincas Borba, filosofia que tinha no lema “ao vencedor, às batatas” sua grande síntese.
À medida em que a loucura de Rubião se acentua, o seu patrimônio, já duramente reduzido pela ação de tantos exploradores, sofre o golpe fatal. Quase sem recursos, abandonado por todos, ele termina internado numa casa de saúde a mando do casal Palha. Isolado do mundo, Rubião pede apenas a companhia do seu fiel escudeiro, o cachorro Quincas Borba.
Após meses de um tratamento mais ou menos inútil, o professor acaba fugindo com o seu cachorro. Retorna então para Barbacena, onde vagará pelas ruas sob forte temporal até ser recolhido por uma velha comadre. Os delírios recomeçam. E é no meio de um deles que, poucos dias depois, “nem súdito, nem vencido”, Rubião falece. Três dias mais tarde, consumido pela tristeza causada pela ausência do dono, será a vez de Quincas Borba morrer.
O QUE OBSERVAR
A)Quincas Borba é o romance de Machado de Assis que mais se aproxima da tradição realista européia do século XIX. Narrado em terceira pessoa, a narrativa acompanha a trajetória ascensional de um modesto professor que se torna “capitalista”. Mas, ao contrário dos romances europeus, em que os personagens alçam-se através de ações de cálculo e de obstinação, a escalada de Rubião resulta de um mero golpe do acaso, a herança que Quincas Borba lhe deixou, sob a condição de cuidar do cachorro também chamado Quincas Borba.
B) Já no Rio de Janeiro para onde partiu em busca das luzes da capital, o matuto é vítima de duas terríveis atrações: a do amor, personificado em Sofia e a do poder, representado por Camacho, um jornalista inescrupuloso. Rubião não está preparado para a riqueza inesperada. Não tem percepção dos complexos mecanismos que regem os negócios na vida urbana e tampouco entende as sutilezas psicológicas que delimitam as relações pessoais na cidade. A sua progressiva loucura parece traduzir a estreiteza de sua consciência diante de um mundo que não compreende. É um protagonista passivo, incapaz de delimitar o seu próprio destino.
C)Apesar da ingenuidade que define a sua alama, Rubião é capaz de passar por cima de certas objeções éticas, mostrando que o seu móvel também é o interesse. Associa-se, por exemplo, a Palha, apenas para ficar mais próximo de Sofia e poder amá-la sem que a opinião pública levantasse suspeitas.
D) Um dos capítulos decisivos do romance é a festa promovida pelo casal Palha, em que Sofia flerta abertamente com o interiorano. Apaixonadíssimo, este se aproxima da mulher e lhe faz uma declaração amorosa, valendo-se de metáforas banais e ridículas. Sofia, para quem o flerte é apenas um direito natural de sua própria beleza, fica ofendida e foge de Rubião. Mais tarde, ela relata ao marido a declaração de amor do matuto mineiro. A primeira reação de Palha é de raiva. Em seguida, ele confessa à esposa a dívida significativa que contraíra com o novo amigo e de como desejava montar uma empresa com o mesmo. Portanto, esta amizade não podia acabar. Ainda que aborrecida, Sofia entende as razões do marido. Assim, o núcleo do romance - a exploração da fortuna de Rubião - é apresentado sem subterfúgios pelas ações e falas dos protagonistas.
E) Sofia é uma das grandes personagens femininas de Machado de Assis. Belíssima, charmosa, narcisista, exibida publicamente pelo marido que se compraz em vê-la encantar os homens, ela usa todas as técnicas possíveis de sedução, sem jamais chegar ao adultério. Esta dubiedade leva Rubião literalmente à loucura. No entanto, o prazer de ser vista e admirada produz em Sofia uma necessidade real de ser amada fora do âmbito doméstico: “Todas as imagens e nomes perdiam-se no mesmo desejo de amar.” E ela se apaixona por Carlos Maria, um galanteador fútil, e marca com ele um encontro erótico, a que o rapaz não comparece. Desta forma, contra a própria vontade, Sofia mantém-se fiel ao marido.
F) Na galeria de personagens do romance figuram também com destaque o jornalista Camacho, autêntico parasita, ambicioso e vulgar, que explora Rubião sem piedade, inventando para o matuto um improvável projeto político e tornando-o sócio de seu jornal, Atalaia. Igualmente interessante como protagonista secundária é Dona Tonica, filha do Major Siqueira, solteirona desesperada para casar-se e que vê no professor mineiro a chance de arrumar um marido. Suas tentativas, contudo são totalmente frustradas, pois Rubião não esmorece em seu desesperado amor por Sofia.
G) O final do romance é tipicamente machadiano: Sofia e Palha inauguram com um grande baile seu palacete em Botafogo. São os vitoriosos, os que recebem a consideração social, um por sua capacidade empreendedora, a outra por sua beleza e por suas virtudes conjugais. Já Rubião em companhia do cachorro Quincas Borba foge do hospital e volta para Barbacena completamente insano. Em seu delírio de grandeza acredita ser Napoleão III, repetindo de maneira incessante a frase-síntese do Humanitismo, que aprendera do filósofo Quincas Borba: “Ao vencedor as batatas.” Antes de morrer, ele ainda coloca sobre sua cabeça uma coroa imaginária: “...ele pegou em nada, levantou em nada e cingiu nada, só ele via a insígnia imperial, pesada de ouro...”

No último e curto capítulo, o narrador zomba sobre o título do livro, dizendo que ele tanto pode referir-se ao filósofo quanto ao cão. Convoca o leitor para o riso ou para a lágrima em função das mortes de Rubião e de Quincas Borba. E arremata, afirmando a absoluta indiferença da natureza a respeito da tragicomédia humana:
O Cruzeiro, que a linda Sofia não quis fitar, como lhe pedia Rubião, está assaz alto para não discernir os risos e as lágrimas dos homens.

 
 
 
 
   
 
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