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1) OLAVO BILAC (1865-1918)
VIDA: Nasceu no Rio de Janeiro, numa família de classe média. Estudou Medicina e depois Direito, sem se formar em nenhum dos cursos. Jornalista, funcionário público, inspetor escolar, secretário do prefeito do Distrito Federal, exerceu constante atividade republicana e nacionalista, realizando pregações cívicas em todo o país, inclusive pelo serviço militar obrigatório. Era um exímio conferencista e representou o país em vários encontros diplomáticos internacionais. Foi coroado como "príncipe dos poetas brasileiros", encarnando a liderança do grupo parnasiano. Por isso, ingressou na Academia de Letras, na condição de fundador. Paralelamente, teve certas veleidades boêmias e estas inclinações noturnas não deixaram de escandalizar e, ao mesmo tempo, fascinar a época.
OBRAS: Poesias (Reunião dos livros Panóplias, Via-láctea e Sarças de fogo -1888); Tarde (1918)
A melhor definição de Olavo Bilac é feita por Antonio Candido: "admirável poeta superficial". Poucos escritores no país merecem um conceito tão surpreendente. Admirável ele é porque soube valorizar a profissão de homem de letras, transformando-a, conforme suas próprias palavras em "um culto e um sacerdócio".
Admirável é também a sua habilidade técnica que o leva a versificar com meticulosa precisão: parece que jamais erra métrica ou rima. "Todas as suas emoções eram já metrificadas com exatidão e rimadas com abundância", diz Mário de Andrade. Admirável, por fim, são os inúmeros sonetos que rompem com os mitos da impassibilidade e da objetividade absoluta - indicando uma herança romântica da qual o poeta não pode ou não quer se livrar.
Superficial nele são os quadros históricos e mitológicos, o erotismo de salão, as miniaturas descritivas e o nacionalismo ufanista. Os temas, em geral, não estão à altura do domínio técnico e dos recursos de linguagem. Como acentua o próprio Antonio Candido, o poeta transforma tudo, o drama humano e a natureza, em "espetáculo", em coisa, em matéria-prima dos recursos esculturais do verso.Com algumas exceções, seus poemas nada aprofundam e ainda passam uma sensação de frieza.
Podemos indicar os seguintes assuntos como dominantes em sua poética:
-a Antigüidade greco-romana
-a temática da perfeição
-o lirismo amoroso
-a reflexão existencial.
-o nacionalismo ufanista
O LIRISMO AMOROSO
Bilac trata do amor a partir de dois ângulos distintos: um mais filosófico e sentencioso; o outro, mais descritivo e sensual. O primeiro caso ocorre nos trinta e cinco sonetos que compõem o livro Via láctea e que lhe granjearam imensa popularidade.
Escritos em decassílabos*, apresentam reflexões, lembranças, paixões concretas ou irrealizadas, cogitações sobre o caráter do afeto, etc., num conjunto de qualidade desigual, oscilando entre o gosto romântico e o gosto clássico. O soneto XIII tornou-se antológico:
Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea , como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e entender estrelas."
*Decassílabos: versos de dez sílabas poéticas
A estes comentários sobre o significado dos sentimentos, o autor vai preferir, em Sarças de fogo, a celebração dos prazeres corpóreos. Uma profusão de beijos infinitos, abraços escaldantes, sangue fervente e atritos libidinosos ajudam a enriquecer aquele erotismo do fim do século XIX.
Olavo Bilac tem o olho fremente do voyeur (sujeito que se excita apenas com a contemplação dos corpos ou do ato sexual) e se compraz na descrição nem sempre sutil da anatomia feminina. Se levarmos em conta que a nudez das mulheres era um tabu na sociedade brasileira, podemos imaginar o frêmito que os seus poemas causavam então. Em Satânia, a luz do meio-dia cobre de carícias o seu esplêndido corpo.
Nua, de pé, solto o cabelo às costas,
Sorri. Na alcova perfumada e quente,
Pela janela, como um rio enorme,
Profusamente a luz do meio-dia
Entra e se espalha, palpitante e viva. (...)
Como uma vaga preguiçosa e lenta,
Vem lhe beijar a pequenina ponta
Do pequenino pé macio e branco.
Sobe...Cinge-lhe a perna longamente;
Sobe... - e que volta sensual descreve
Para abranger todo o quadril! - prossegue,
Lambe-lhe o ventre, abraça-lhe a cintura,
Morde-lhe os bicos túmidos dos seios,
Corre-lhe a espádua, espia-lhe o recôncavo
Da axila, acende-lhe o coral da boca.(...)
E aos mornos beijos, às carícias ternas
Da luz, cerrando levemente os cílios,
Satânia os lábios úmidos encurva
E da boca na púrpura sangrenta
Abre um curto sorriso de volúpia...
A REFLEXÃO EXISTENCIAL
Em alguns poemas, contudo, o autor de Tarde consegue mesclar uma visão sensual da vida com meditações carregadas de melancolia e desassossego sobre a proximidade da velhice e da morte. Possivelmente são as suas melhores criações. Não há como fugir da beleza da primeira estrofe de O vale, por exemplo:
Sou como um vale, numa tarde fria
Quando as almas dos sinos, de uma em uma,
No soluçoso adeus da ave-maria
Expiram longamente pela bruma.
Nem da força de In extremis, onde na hora da morte (imaginária), o poeta lamenta a perda das coisas concretas e eróticas da existência:
Nunca morrer assim! Nunca morrer num dia
Assim! de um sol assim!
Tu, desgrenhada e fria,
Fria! postos nos meus os teus olhos molhados,
E apertando nos teus os meus dedos gelados...
E um dia assim! de um sol assim! E assim a esfera
Toda azul, no esplendor do fim da primavera!
Asas, tontas de luz, cortando o firmamento!
Ninhos cantando! Em flor a terra toda! O vento
Despencando os rosais, sacudindo o arvoredo...
E, aqui dentro, o silêncio... E este espanto! e este medo!
Nós dois...e, entre nós dois, implacável e forte,
A arredar-me de ti, cada vez mais, a morte...
Eu com o frio a crescer no coração, - tão cheio
De ti, até no horror do derradeiro anseio!
Tu, vendo retorcer-se amarguradamente,
A boca que beijava a tua boca ardente,
A boca que foi tua!
E eu morrendo! e eu morrendo
Vendo-te, e vendo o sol, e vendo céu, e vendo
Tão bela palpitar nos teus olhos, querida,
A delícia da vida! a delícia da vida!"
Olavo Bilac também quebra a impassibilidade parnasiana com o patriotismo retumbante de seus versos. Transforma-se numa espécie de poeta oficial da República Velha, fugindo do Brasil problemático e inventando um Brasil de heróis intrépidos, grandezas infinitas e símbolos a serem amados.
Bandeirantes ferozes, como Fernão Dias Pais Leme, são transformados em agentes da civilização ("Violador dos sertões, plantador de cidades / Dentro do coração da pátria viverás!") A natureza, a exemplo do Romantismo, vira expressão da nacionalidade. Crianças são convocadas a amar a pátria com "fé e orgulho". E a poesia parece diluir-se num manual de civismo.
Mesmo assim - descontados o tom declamatório e o excesso ufanista - sente-se aqui e ali a dimensão do verdadeiro criador. O caçador de esmeraldas, rápida e frustrada tentativa épica, tem um belo início:
Foi em março, ao findar das chuvas, quase à entrada
Do outono, quando a terra, em sede requeimada,
Bebera longamente as águas da estação,
Que, em bandeira, buscando esmeraldas e prata,
À frente dos peões filhos da rude mata,
Fernão Dias Paes Leme entrou pelo sertão.
Um dos seus poemas patrióticos mais conhecidos é Língua portuguesa:
Última flor do Lácio*, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga* impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba* de alto clangor*, lira singela,
Que tens o trom* e o silvo da procela* ,
E o arrolo* da saudade e da ternura!
-
Amo o teu viço agreste e teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
* Lácio: região que circunda Roma e onde se origina o latim.
* Ganga: resíduo inútil de minério.
* Tuba: instrumento de sopro, similar à trombeta
* Clangor: som forte
* Trom: som de trovão
* Procela: tempestade
* Arrolo: arrulho, acalanto
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