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CONTEXTO HISTÓRICO
A descoberta do ouro na região de Minas Gerais, em fins do século XVII, significa o início de grandes mudanças na sociedade colonial brasileira. A corrida em busca do metal precioso desloca para serras, até então desertas, uma multidão de aventureiros paulistas, baianos e, em seguida, portugueses.
A abundância do ouro gera extraordinária riqueza e os primeiros acampamentos de mineiros transformam-se rapidamente em cidades.
Um esquema de abastecimento para as minas é organizado por tropeiros paulistas. Sorocaba, no interior de São Paulo, torna-se o maior centro de transporte das tropas de gado vacum e muar para Minas Gerais. Ali realiza-se uma grande feira, entre maio e agosto, onde se encontram vendedores e compradores de animais e mantimentos. São paulistas ainda os que avançam cada vez mais para o Sul. Primeiro, desenvolvem roças e fazendas de criação bovina na região de Curitiba. Depois, irrompem nos campos da serra e no pampa rio-grandense para capturar o gado que vivia em liberdade (milhões e milhões de cabeças).
Este sistema de abastecimento das cidades mineiras - já que nada se produzia nelas - integra e unifica as várias regiões do Brasil, criando a noção de que poderíamos constituir um país. Por outro lado, a leva de habitantes do reino, que aqui chega, impõe a língua portuguesa como a língua básica, desalojando a "língua geral", baseada no tupi, e que imperava nos sertões e entre os paulistas. Desta forma, adquire-se também uma unidade linguística.
O ouro parece ser suficiente para todos. Enriquece os mineiros, os comerciantes, os tropeiros e, acima de tudo, o reino português. Centenas de toneladas do precioso metal são levadas para o luxo, o desperdício e a ostentação da Corte. Parte considerável deste ouro vai parar na Inglaterra, financiando a Revolução Industrial, na medida em que o domínio comercial dos ingleses sobre a economia portuguesa era absoluto. Contudo, a partir da segunda metade do século XVIII, a produção aurífera começa a cair e as minas dão sinais de esgotamento.
CONTEXTO CULTURAL
A riqueza gerada pelo ouro amplia espetacularmente a vida urbana em Minas Gerais. Não são apenas aventureiros à cata de pedras preciosas. As novas cidades estimulam serviços e ofícios: uma multidão de carpinteiros, pedreiros, arquitetos, comerciantes, ourives, tecelões, advogados e prostitutas encontram trabalho nestas ruas quase sempre tortuosas e íngremes.
Logo Vila Rica alcança trinta mil habitantes e Portugal apresta-se a montar uma poderosa rede burocrática, capaz de controlar toda a vida social e impedir o contrabando do ouro e a sonegação dos impostos. A necessidade de organização administrativa e a obsessão portuguesa pela aparelhagem estatal levam à nomeação de milhares de funcionários civis e militares.
Este imenso setor público e mais os mineradores e comerciantes enriquecidos, os tropeiros endinheirados, os profissionais liberais e os trabalhadores livres rompem o dualismo senhor-escravo que até então caracterizara a nossa estrutura social. Novas classes aparecem e dão complexidade ao mundo urbano que se forma.
A Função Social da Literatura
A existência citadina (medíocre até o século anterior) aproxima as pessoas através da vizinhança; traduz-se em relações sociais, em concorrência, em novos estímulos. A literatura, a exemplo da música, vai funcionar, nesta circunstância, como elemento de ligação social, de conversação e de prestígio.
Nos saraus - muito comuns na época - pessoas ilustradas vão ouvir recitais de poemas e pequenas peças musicais, emitirão opiniões, trocarão impressões e acabarão constituindo o núcleo de um público regular e permanente, interessado em arte, sobretudo, na arte literária.
Surgem Academias e Arcádias, associações de intelectuais - geralmente poetas - com objetivos e princípios literários comuns. Pela primeira vez, no país, temos uma noção de escola artística, entendida como a articulação de um grupo numeroso de letrados em torno de valores estéticos e ideológicos.
Não se trata mais de fugir da indiferença do meio e preservar uma mesquinha vida cultural. A sociedade urbana começa a estimular e aplaudir os seus artistas: músicos, pintores, escultores, arquitetos e poetas. É claro que estes últimos, por pertencerem ao grupo dominante, recebem as maiores honrarias e distinções.
Devemos assinalar também a existência de ótimas bibliotecas particulares na época. Possuir livros (mesmo que os "subversivos") torna-se indicação de nobreza espiritual e de interesse pelo destino da humanidade. No interessante estudo O diabo na livraria do cônego, Eduardo Frieiro registra que os principais inconfidentes mantinham boa quantidade de volumes em suas casas, embora o dono da maior biblioteca privada fosse o padre Luís Vieira da Silva.
Influenciado por idéias iluministas, este bom cônego guardava oitocentos livros em sua residência, entre dicionários, textos sobre oratória, teoria estética, vida religiosa, etc., e, como não podia deixar de ser, algumas "obras perniciosas", produzidas por adeptos do Século das Luzes.
Sublinhe-se, por fim, que desde o início da colonização até meados do século XVIII, criadores e receptores de obras literárias tinham surgido e desaparecido em ondas dispersas e descontínuas. Explosões de talentos isolados, como Vieira ou Gregório de Matos, aglutinavam em torno de si um número expressivo de ouvintes, possivelmente alguns imitadores, mas não chegavam a estruturar um verdadeiro movimento artístico, com permanência, ressonância, durabilidade. Eram manifestações soltas, fragmentárias, condenadas ao esquecimento das gerações posteriores. Só a partir do Arcadismo se consolidaria o que Antonio Candido chama de "sistema literário".
A relação com o Iluminismo
As mudanças estéticas terão por base uma revolução filosófica: o Iluminismo. Em seu primeiro momento, os iluministas conciliarão os interesses da burguesia com certas parcelas da nobreza, através da celebração do despotismo esclarecido - valorizando reis e príncipes que se cercavam de sábios para gerir os negócios público. Mas o aspecto revolucionário do pensamento de Voltaire, Montesquieu, Diderot e outros é a afirmação de que todas as coisas podem ser compreendidas, resolvidas e decididas pelo poder da razão.
Os criadores do Iluminismo (ou Ilustração) já não aceitam o "direito divino dos reis", tampouco a fé cega nos mandatários da Igreja. Qualquer poder ou privilégio precisa ser submetido a uma análise racional. E agora é a razão (e não mais a crença religiosa ) que aparece como sinônimo de verdade. As luzes do esclarecimento ajudam os homens a entender o mundo e a combater preconceitos. As novas idéias assentam um golpe definitivo na visão de mundo barroca, baseada mais no sensitivo do que no racional, mais no religioso do que no civil. Por oposição ao século anterior, procura-se, no século XVIII, simplificar a arte. E esta simplificação se dará na pintura, na música, na literatura e na arquitetura pelo domínio da razão, pela imitação dos clássicos, pela aproximação com a natureza e pela valorização das atividades galantes dos freqüentadores dos salões da nobreza européia.
Desta maneira, os padrões antes apreciados na época do Barroco serão, continuamente, desvalorizados. As igrejas e palácios solenes que causam um misto de respeito e admiração por aquilo que significam - o Poder de Deus e o Poder do Estado - no século XVIII, dão lugar às casas graciosas e belos jardins, anunciando um novo sentido de vida. Ao mármore, ao bronze, ao ouro, preferem-se materiais mais simples. Às cores carregadas das igrejas e dos castelos, preferem-se o pastel, o verde, o rosa. Ao pomposo, se prefere o íntimo e o frívolo.
As manifestações artísticas do século XVII (Arcadismo ou Neoclassicismo e Rococó*) refletem a ideologia da classe aristocrática em decadência e da alta burguesia, insatisfeitas com o absolutismo real, com a pesada solenidade do Barroco, com as formas sociais de convivência rígidas, artificiais e complicadas. alguns histpriadosres atribuem tão insatisfação ao desconhecimento da burguesia daqueles valores nobres, e da impossibilidade cultural de manter os mesmos instrumentos que garamtiram o prestígio daquela classe. Outros críticos, no entanto, atribuem este desinteresse pelo estilo nobre à seguinte explicação:
A fórmula básica do Arcadismo poderia ser representada assim:
Verdade = Razão = Simplicidade
Mas se a simplicidade é a essência do movimento - ao avesso da confusão e do retorcimento barroco - como pode o artista ter certeza de que sua obra é integralmente simples? A saída está na imitação (que significa seguir modelos e não copiar), tanto da natureza quanto dos velhos clássicos.
Logo a simplicidade, além de um instrumento de denúncia, seria uma tentativa de alcançar a razão através do simples, da linha reta, que garantiria mais clareza do que as curvas barrocas.
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