A ideologia burguesa centra-se nas liberdades (expressão, iniciativa, concorrência) do novo homem e nas infinitas chances de auto-realização do indivíduo.
O Romantismo, reflexo da nascente ordem social, centra-se na glorificação do particular, do singular, do íntimo, daquilo que diferencia uma pessoa de outra. O individualismo e o subjetivismo parecem ser faces distintas da mesma moeda, no caso o eu.
O eu vitorioso
A primeira face é a do triunfo, da capacidade do indivíduo de alçar-se sobre a mediania e de afirmar arrogantemente suas ambições e desejos. Por isso, ninguém seduz tanto a alma romântica como Napoleão. Sua incrível trajetória - da pobreza juvenil à chefia de um grande império - serve de modelo e lembrança. Trata-se do maior exemplo de individualismo nos primeiros tempos burgueses e é celebrado por uma incrível quantidade de artistas que com ele se identificam, inclusive alguns brasileiros.
Por causa de sua extraordinária trajetória, Napoleão representou, no limite máximo, as possibilidades do individualismo da nova ordem burguesa.
Quando um personagem de Balzac, o jovem provinciano Rastignac, (sem origens ilustres, sem renda e sem trabalho fixo) sobe na única elevação de Paris e contempla a mais importante cidade do mundo de então e, por fim, declara que vai conquistá-la, ele está afirmando o poder do indivíduo e suas espetaculares chances de triunfo e mobilidade social. Está afirmando também a potencialidade napoleônica que uma sociedade sem barreiras oferece a qualquer rapaz ambicioso.
Este orgulho da força individual gera a falta de pudor com que o romântico expõe a sua personalidade. Além de jamais esquecer a própria alma, ele faz questão de revelá-la em toda suas dimensões, transformando cada leitor em um confidente. Ou seja, a obra de arte é um meio pelo qual indivíduos particulares falam a outros indivíduos particulares.
O "gênio"
Não raras vezes, a própria figura do poeta é divinizada. Ele se torna a expressão do "gênio", ou seja, encarna um ser diferente, tocado pelos deuses (ou demônios) da inspiração, que o levam à criação artística. Com freqüência, o destino da grandeza criadora é a "maldição", quer dizer, um sentir-se acima ou abaixo dos critérios estabelecidos do bem e do mal. O "maldito" em geral abandona a vida em sociedade, através de uma solidão voluntária, premido pela sensação de incomunicabilidade em meio a criaturas comuns.
O eu oprimido
Porém, a alma romântica conhece uma outra face do individualismo, a do eu opresso, esmagado pela solidão e pela brutalidade do mundo. Isso ocorre em um segundo momento, quando os artistas se dão conta tanto da impossibilidade de uma nova experiência napoleônica, quanto da mediocridade da burguesia pós-revolucionária, voltada apenas para a acumulação de capital. Uma espessa melancolia se apossa dos corações, e por todos os lados vê-se o lado sombrio e inútil da existência.
Ao sentir que os seus vínculos com o mundo foram rompidos, os artistas arrojam-se no próprio eu, numa espécie de compensação. Um eu incômodo, estranho, que ameaça ora com o caos, ora com o êxtase, um eu que afirmam orgulhosamente e, ao mesmo tempo, um eu angustiado, infantil, incapaz de transformar o mundo. Daí que quase toda a literatura romântica seja o grito de subjetividades que confessam a si mesmas: seus sonhos, projetos, medos e sofrimentos.
Veja-se o exemplo de Lord Byron:
Já é tempo do meu coração não se comover
porque aos outros já deixei de emocionar
mas embora eu não possa ser amado
que possa pelo menos amar.
|