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As características específicas do Naturalismo resultam da sua aproximação com as diversas ciências experimentais e positivas. Poderíamos esquematizá-las assim:
Naturalismo: todas as características do Realismo + cientificismo
(Cientificismo: adoção de leis científicas que regeriam a vida dos personagens)
Leis SociológicasLeis Biológicasa) determinismo do meio b) determinismo do momento históricoa) determinismo da herança, dos temperamentos e dos caracteres b) determinismo da raçaA questão dos vários determinismos é básica para se compreender o esforço cientificista do romance experimental. Destacamos aqueles que predominam, seja na Europa, seja no Brasil:
1. Determinismo do Meio
O homem como produto do meio é a tese central do movimento. O indivíduo não passa de uma projeção do seu cenário, com o qual se confunde e do qual não consegue escapar. Daí a insistência na descrição do meio, que sempre traga e tritura o homem. Zola, em Germinal, mostra a vida dos operários nas minas francesas. O ambiente como que suprime os indivíduos:
No veio, o trabalho dos britadores tinha recomeçado. Muitas vezes eles apressavam o almoço para não perderem o calor do corpo; e seus sanduíches, comidos numa voracidade muda e naquela profundidade, transformava-se em chumbo no estômago. Deitados de lado, golpeavam mais forte, com a idéia fixa de completar um número elevado de vagonetes. Tudo desaparecia nessa fúria de ganho tão duramente disputado, nem mesmo assim sentiam mais a água que escorria e lhes inchava os membros, as cãibras resultantes das posições forçadas, as trevas sufocantes onde eles descoravam como plantas encerradas em adega.
Exemplo semelhante encontraremos em O cortiço, a obra mais importante da estética naturalista brasileira: o ambiente degradado gera seres degradados, a imundície do cenário se transfere para as almas humanas.
2. Determinismo dos Instintos
Cada indivíduo traz dentro de si instintos hereditários, que explodem repentinamente em manifestações de luxúria, tara, indignidade e crimes. Por mais que cada um desenvolva sua racionalidade, seu domínio sobre si próprio, ajustando-se à convivência social, nunca será suficientemente forte para domar as forças subterrâneas que vêm à tona, arrastando-o a um universo de anormalidades e vícios.
Em O cortiço encontramos a seguinte passagem, que nos pode dar uma idéia da força do instinto:
Amara-o a princípio por afinidade de temperamento, pela irresistível conexão do instinto luxurioso e canalha que predominava em ambos, depois continuou a estar com ele por hábito, por uma espécie de vício que amaldiçoamos sem poder largá-lo; mas desde que Jerônimo propendeu para ela, fascinando-a com a sua tranqüila seriedade de animal bom e forte, o sangue da mestiça reclamou os seus direitos de apuração, e Rita preferiu no europeu o macho de raça superior.
3. Determinismo da Herança Biológica
De acordo com teses biológicas então dominantes, o homem receberia o temperamento por um tipo de herança transmitida pelo sangue. Mais do que uma propensão ou tendência - como alguns o entendem hoje - o temperamento funciona, na ciência e literatura naturalista, como suporte decisivo da construção da personalidade e mola propulsora do comportamento individual, de tal forma que o homem não passa de um joguete de incontroláveis forças atávicas. Vejamos um curto parágrafo de Germinal:
Isso revolvia nele todo o desconhecimento apavorante: o mal hereditário, a longa hereditariedade da embriaguez, não bebendo sequer uma gota de álcool sem cair no furor homicida. Terminaria como assassino?
Neste mesmo componente "biológico" entra a questão da raça. Alguns intelectuais começam a forjar os primeiros ensaios sobre as "diferenças naturais" entre as várias etnias, abrindo caminho para o desprezível pensamento racista do século XX. É verdade que nem sempre há uma intenção preconceituosa nos teóricos naturalistas, mas eles acabam invariavelmente celebrando o homem ariano. Taine, o mais influente pensador do período, associa a idéia de raça a certas disposições hereditárias:
Três fontes diversas contribuem para produzir um estado moral elementar: a raça, o meio e o momento. O que se chama raça são estas disposições inatas e hereditárias que o homem carrega consigo.(...) Há naturalmente variedade de homens como de touros e de cavalos: uns valorosos e inteligentes, e outros tímidos e de inteligência curta; uns capazes de concepções e criações superiores, e outros reduzidos à idéias e às invenções rudimentares; alguns dispostos mais especialmente para certos trabalhos e dotados mais ricamente de certos instintos, assim como se vê cães com aptidões especiais para a corrida ou para o combate, ou para a caça, ou para a guarda de casas e rebanhos.
4. Personagens Patológicos
Naná, romance de Émile Zola, escandaliza a França por sua crueza e é motivo desta famosa pintura de Manet. Para comprovar as suas teses - primordialmente a da hereditariedade do temperamento - os escritores valem-se muitas vezes de personagens mórbidos, anormais, doentes. É uma legião de bêbados, assassinos, incestuosos, devassos, prostitutas, lésbicas, etc. "Acúmulo de horrores cientificamente comprovados", afirmou com certa razão um crítico europeu. No prefácio de A taverna - onde pela primeira vez o proletariado emerge como protagonista central na literatura - Zola registra esta patologia, ainda que lhe atribuindo causas sociais:
Quis descrever a trajetória fatalmente em decadência de uma família operária, dentro do marco corrompido de nossos arrabaldes. A embriaguez e a ociosidade conduzem ao afrouxamento dos laços familiares, às impurezas da promiscuidade, o esquecimento progressivo dos sentimentos honestos, que acabam tendo como conclusão lógica a vergonha e a morte. Esta é uma obra verídica. O primeiro estudo sobre o povo que não mente e que possui o cheiro deste povo. Meus personagens não são maus, apenas ignorantes e influídos pelo ambiente de trabalho rude e miséria em que vivem.
5. Crítica Social Explícita
Todo autor naturalista elabora uma crítica direta a aspectos da realidade social. No entanto, mesmo sendo um crítico implacável, ele não acredita em saídas ou esperança para a sociedade, a qual visualiza como um organismo biológico, sujeito às leis vitais de nascimento, apogeu, decrepitude e morte. Organismo frente ao qual pouco ou nada pode a ação dos indivíduos. Por esse motivo, a crítica acaba normalmente em pessimismo fatalista. E já que não tem condições de controlar o universo social, o ser humano converte-se em mero fantoche de um destino traçado pelo meio e pela herança.
6. Forma Descritiva
A preocupação com a verossimilhança levou os naturalistas a um método de escrever baseado na descrição. Uma descrição minuciosa, detalhada ao limite do inventário, precisa e, às vezes, inútil porque ela só funciona num romance como elemento auxiliar da narração. Porém, devemos ter em conta que, em várias obras, a descrição lenta e exaustiva de um cenário, de objetos, etc., exerce papel significativo.
A pintura que Zola faz das minas de hulha, ligando-as à vida miserável de seus trabalhadores em Germinal, é perfeita, mostrando o massacre do meio ambiente sobre o indivíduo e a exploração dos donos das minas sobre os operários. Da mesma maneira, o registro da vida num navio feita por Adolfo Caminha, em O Bom Crioulo, ou ainda os detalhes quase preciosistas da agitação de uma casa de cômodos, mostrados por Aluísio Azevedo, em Casa de pensão, são absolutamente necessários para a realização do argumento.
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