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VIDA: Nasceu em Ouro Preto, filho de um comerciante português e de uma sobrinha do escritor romântico, Bernardo Guimarães. Fez seus estudos preliminares na cidade natal e depois cursou Direito em São Paulo. Nutre intensa paixão platônica pela filha do autor de A escrava Isaura, Constança, que morreria de tuberculose antes dos dezoito anos e, para quem escreveria muitos de seus versos. Retornou para Minas Gerais, exercendo a função de juiz em Conceição do Serro e, mais tarde, em Mariana. Casou-se com uma jovem de dezessete anos, Zenaide, com quem teve quatorze filhos e com quem encaramujou-se na vida privada, ao ponto de morrer praticamente na obscuridade, às vésperas da Semana de Arte Moderna.
OBRAS PRINCIPAIS: Setenário das dores de Nossa Senhora (1899), Dona mística (1889), Câmara ardente (1899), Kyriale (1902)
Mineiro, passado quase toda a sua vida nas cidades barrocas e decadentes da região aurífera, Alphonsus de Guimarães sofreu as influências ambientais dessas cidades, povoadas apenas, no dizer de Roger Bastide, "de sons e sinos, de velhas deslizando pelos becos silenciosos, de vultos que se escondem à sombra das muralhas. Cidades de brumas, conhecendo as mesmas existências cinzentas e os mesmos fantasmas noturnos: donzelas solitárias, vestidas de luar." Sua poesia gira em torno de pouco assuntos:
-a morte da amada
-a religiosidade litúrgica
A morte da amada
É um tema dominante em sua poesia: a morte da noiva amada, a doce Constança, desaparecida na flor da mocidade. De certa forma, não conseguirá mais esquecê-la e, assim, os seus poemas de amor sempre se vincularão à idéias fúnebres. Amor e morte é uma velha fórmula romântica, mas Alphonsus a tratará de maneira diferente, fugindo do patético e alcançando um tom elegíaco*, onde predominam a melancolia e a musicalidade.
Nem o casamento, nem o passar do tempo ajudarão o poeta a atenuar esta tristeza. Em vários momentos, a dor parece mais uma convenção poética do que propriamente um sentimento real. No entanto, um soneto como Hão de chorar por ela os cinamomos guarda forte carga de emoção:
Hão de chorar por ela os cinamomos
Murchando as flores ao tombar do dia
Dos laranjais hão de cair os pomos
Lembrando-se daquela que os colhia.
As estrelas dirão: - "Ai, nada somos,
Pois ela se morreu silente* e fria..."
E pondo os olhos nela como pomos,
Hão de chorar a irmã que lhes sorria.
A lua que lhe foi mãe carinhosa
Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la
Entre lírios e pétalas de rosa.
Os meus sonhos de amor serão defuntos...
E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,
Pensando em mim: - "Por que não vieram juntos?"
* Silente: silencioso, secreto.
A lembrança do sofrimento nunca o abandona, como se percebe em Ismália, espécie de balada, onde a loucura, a solidão e a morte se interpenetram:
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E, no desvario seu
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar
A religiosidade litúrgica
O desaparecimento precoce da noiva associado ao clima místico das cidades barrocas induzem Alphonsus de Guimaraens à religiosidade. Ao inverso de Cruz e Sousa cuja espiritualização é angustiada e filosófica, a do poeta mineiro não tem "arroubos ou iluminações fulgurantes", como diz Andrade Muricy.
Trata-se de uma religiosidade emotiva, feita de preces e crenças simples. Nada de abstrações metafísicas. Nada de indagações exasperadas. Seu catolicismo está mais próximo das fontes tradicionais da liturgia. Houve quem lhe apontasse um misticismo exterior e superficial, mas é forçoso reconhecer beleza na série de orações que dirige à Virgem Maria:
Doce consolação dos infelizes
Primeiro e último amparo de quem chora,
Oh! Dá-me alívio, dá-me cicatrizes
Para estas chagas que te mostro agora.
Aliás, a deificação de Nossa Senhora parece corresponder à sublimação do amor pela noiva morta. O arrebatamento religioso pela Mãe de Deus indicaria a troca de uma paixão concreta por uma devoção católica. Massaud Moisés fala em "platonismo místico" porque, ao encarnar esta paixão na figura da Virgem, "o poeta transcendentaliza e essencializa a mulher amada, conferindo-lhe o atributo de plenitude espiritual válido no contexto católico e de acordo com a sua sensibilidade cristã."
Ilustrativo das tendências simbólicas, místicas e musicais de Alphonsus é o seu poema A catedral:
Entre brumas ao longe surge a aurora.
O hialino* orvalho aos poucos se evapora,
Agoniza o arrebol*.
A catedral ebúrnea* do meu sonho
Aparece na paz do céu risonho
Toda branca de sol.
E o sino canta em lúgubres responsos*:
Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus! (...)
Por entre lírios e lilases desce
A tarde esquiva: amargurada prece
Põe-se a lua a rezar.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu tristonho
Toda branca de luar.
E o sino dobra em lúgubres responsos:
Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!
O céu é todo trevas: o vento uiva.
Do relâmpago a cabeleira ruiva
Vem açoitar o rosto meu.
E a catedral ebúrnea do meu sonho
Afunda-se no caos do céu medonho
Como um astro que já morreu.
E o sino geme em lúgubres responsos:
Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!
Hialino: transparente
Arrebol: vermelhidão do nascer ou do pôr do sol.
Ebúrnea: de marfim
Responsos: versículos rezados ou cantados.
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